A política patrocinou ontem dois momentos pouco comuns. No Senado, o senador Pedro Simon, do PMDB, subiu à tribuna para desfazer o discurso que o ex-presidente e agora senador Fernando Collor construiu na semana passada, para dizer que foi apeado da Presidência por uma farsa em que se transformou a CPI que investigava seu ex-tesoureiro PC Farias. Collor teve, nessa ocasião, a complacência do Senado, que o cassara 15 anos atrás, uma vez que não foi contraditado por nenhum dos seus colegas, alguns dos quais participantes da CPI. Collor deitou e rolou, menos histriônico do que quando presidente, mas não menos teatral. Até senadores do PT, o partido que mais brigou contra Collor na CPI, foram indulgentes com ele.
Ontem, o senador Pedro Simon, que não estava na sessão da semana passada, mas que participou da CPI, não deixou por menos। Foi à tribuna e afrontou o ex-presidente, desbancando a tese defendida por Collor de que teria sido vítima de uma farsa. Dando um quinau em seus colegas e resgatando um pouco da dignidade do Senado, que julgou o ex-presidente 15 anos atrás, Pedro Simon fez o que quis. Collor bem que tentou sustentar a tese da farsa, ao apegar-se ao julgamento do Supremo que o absolveu, mas Simon não lhe deu trégua. Leu documentos, descreveu situações, citou depoimentos, e recheou tudo com sua verve conhecida, num belo espetáculo que teve no seu oponente, Collor de Mello, um antagonista à altura.
O segundo momento do dia ocorreu também com a participação do ex-presidente Collor। Desta vez, o seu interlocutor não era o belicoso senador gaúcho, mas o outrora aguerrido sindicalista Luiz Inácio da Lula da Silva, que, na condição de presidente, recebeu, em audiência, o seu antigo adversário, Fernando Collor. É bem verdade que a audiência não foi concedida unicamente ao ex-presidente, mas à bancada do PTB no Congresso, da qual o senador Collor de Mello faz parte. Mas, ainda assim, mesmo levando-se em conta esse atenuante, o encontro de Lula e Collor não deixa de ser um daqueles espetáculos raros na política - o momento em que dois adversários históricos se reencontram, agora na condição de aliados. Esse, aliás, é um dos momentos também mais delicados da atividade política. A opinião pública dificilmente engole uma situação dessas e joga a culpa no que se costuma chamar de «pouca vergonha» da política. Mal sabem os críticos de reencontros assim que, na política, não existem adversários que não possam um dia se tornarem aliados como não existem aliados que não possam amanhã serem os adversários. Se essas coisas não forem colocadas na justa medida, os seus patrocinadores acabam pagando preço altíssimo por isso. Nos idos de 70, os históricos adversários Bias e Andradas resolveram se reencontrar contra um adversário que viera de fora e acabaram alijados, ambos, do poder municipal, perdendo a eleição em Barbacena para um desconhecido médico que já nem mora na cidade atualmente. Era a primeira vez que um Bias ou um Andrada ficava fora do poder municipal desde a Revolução de 30. Aprendida a lição, nunca mais se reconciliaram. Lula jogou ontem uma boa parte de seu cacife político pela janela, para uns. E teria crescido, para outros. Só o tempo, o senhor da razão, como dizia Collor, saberá julgar o acerto ou não da iniciativa.
Carlos Lindenberg
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