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10 de jul. de 2007

Macartismo mineiro

Nelson Rodrigues costumava dizer que toda unanimidade é burra. Em Minas Gerais, a unanimidade em torno do governador Aécio Neves vai mais longe. É, além de burra, truculenta, cega e venal. Nenhum outro governador brasileiro ostenta índices tão altos de aprovação e popularidade.
Apontado como um dos favoritos ao Planalto em 2010, Aécio raramente aparece na mídia em situações desconfortáveis ou constrangedoras. Quando isso acontece, como no caso do “Mensalão Tucano”, a imprensa mineira é a última tocar no assunto.
Via de regra, espera um sinal de fumaça do Palácio da Liberdade para entrar na pauta, sempre na esteira da defesa do governador. Mas de onde vem esse fervoroso engajamento jornalístico? Será bairrismo em torno da perspectiva de um mineiro na presidência? Ou é o fato do governador ser jovem, boa pinta e austero com as finanças?
Nos bastidores do Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, existe uma azeitada máquina de comunicação e propaganda trabalhando a todo vapor para manter a imagem de Aécio intacta e em alta até as eleições de 2010.
Esse projeto de poder, que começou a ser gestado em 2002, é baseado no binômio truculência e dinheiro. Em Minas, é proibido falar mal do governador. Casos de jornalistas que ousaram quebrar essa regra e foram demitidos ou ameaçados existem aos borbotões. O resultado, em muitos casos, é a opção pela auto-censura como forma de sobrevivência.
Esse consenso tem sido financiado através de farta publicidade estatal. Não é a administração direta, mas as estatais que mais gastam em comunicação e publicidade. Com isso fica mais difícil a fiscalização da Assembléia Legislativa, que ainda por cima conta com uma oposição pouco coesa. “Minas é um estado com alto grau de censura. A imprensa, aqui, é porta-voz do governo Aécio.
Existem muitas denúncias de jornalistas perseguidos pelo Palácio da Liberdade. A intervenção do governo se dá de forma direta. Eles pedem a demissão de funcionários e, em muitos casos, são atendidos. Hoje, a censura é mais econômica, já que a cota de publicidade (estatal) nunca foi tão alta. O gasto de publicidade de Aécio cresceu 500% em relação a Itamar. Na execução fiscal de 2006, ele gastou 400% a mais que o previsto”, relata o deputado estadual Carlin Moura, do PcdoB.
A pedido da revista Fórum, Carlin enviou um requerimento ao governo pedindo uma planilha detalhada com todos os investimentos publicitários do Estado, incluindo as estatais. Até o fechamento desta edição, esses dados ainda não haviam sido liberados.
“Existe uma caixa preta, já que a maioria dos gastos é feita por empresas estatais, como a CEMIG e a COPASA, sobre as quais a Assembléia não tem controle. Eles não dão as rubricas separadas”, conclui Carlin. Em tempo. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) o governo estadual gastou R$ 39,6 milhões com a pasta de Comunicação em 2006.
Não foi por acaso que Minas Gerais foi o estado que registrou a maior adesão à Semana de Democratização da Mídia. No último dia 5 de outubro, cerca de 1000 manifestantes de entidades como Abraço, FNDC, FENAJ, CUT, UNE e MST se concentraram na frente do Palácio da Liberdade.
Além de pedir transparência nos processos de concessão de TV, os mineiros denunciaram a falta de liberdade de imprensa no estado. “Em Minas Gerais a liberdade de pensamento é muito mais atacada, pois vivemos sob uma pesada censura praticada pelo governo do Estado em parceria com os donos dos principais veículos.
Com o objetivo de promover a blindagem em torno da figura do governador Aécio Neves, vários jornalistas foram demitidos por produzirem matérias que desagradaram o Palácio da Liberdade. Depois dessa perseguição, nunca mais se viu ou se ouviu uma única reportagem que contrariasse o interesse da elite que governa Minas Gerais”, resumiu o manifesto batizado de “Carta de Belo Horizonte, produzido pelos manifestantes.
“O maior jornal do estado, O Estado de Minas, eu chamo de O Estrago de Minas. Ele é totalmente ligado ao governador. A verdade é que todos estão comprometidos. Não sobra nenhum. Chamam o Aécio de “o filho do avô. Ele não tem tradição nenhuma na política, mas é blindado. Por que? Falam do mensalão mineiro, mas deviam investigar é o mensalão da mídia mineira.
A revista Fórum faz muito bem em abordar esse tema”, diz José Guilherme Castro, coordenador de comunicação e cultura da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) e secretário geral da FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).
Aqui em Minas não saiu nada sobre o mensalão mineiro. Só começaram a publicar essa história quando veio a reação do Aécio”, conclui Kerisson Lopes, um dos organizadores da manifestação do dia 5, em Minas.
No último mês de outubro, Fórum conversou com jornalistas, políticos, pesquisou números e levantou histórias reveladoras sobre os bastidores de uma relação mais que promíscua entre o primeiro e o quarto poder em Minas Gerais.
Coco e romance em Ipanema
Em plena tarde de quinta feira, três carros de luxos estacionam em frente a um quiosque de Ipanema, na altura do Jardim de Alah. Os curiosos param para ver a cena. Um casal desce cercado por seguranças e pede água de coco.
No dia seguinte, os jornais cariocas revelam o nome dos pombinhos: Aécio Neves e a miss Natália Guimarães. A nota repercutiu no país inteiro, menos em Minas Gerais. Ocorre que naquele mesmo dia, o governador tinha um importante compromisso – uma solenidade em homenagem a cultura mineira.
Diante da inusitada ausência do governador, o vice Antônio Augusto Anastásia teve de improvisar o discurso. Esse pequeno episódio foi lembrado pelo deputado Carlin para um plenário vazio na Assembléia Legislativa de Minas. Não houve repercussão. Ninguém tocou no assunto nem mesmo nas colunas sociais locais.
O “namoro” só veio à tona na base de Aécio quando sua assessoria achou conveniente. “O romance do governador com a miss Brasil”, estampou, na capa, a revista IstoÉ Gente do último dia 15 de outubro. O episódio é menor, mas cheio de significado.
Apesar do clima de macartismo, alguns profissionais ousam revelar os bastidores do esquema. Fórum conversou com um dos editores de um dos maiores jornais mineiros. Por motivos óbvios, ele pede para não ter seu nome revelado. “As pautas chegam com algumas “rec´s” – recomendações. É o editor-chefe quem administra isso. Ele precisa ter jogo de cintura. Para garantir essa blindagem, o governo ataca em massa e manda fazer cadernos especiais de estatais, especialmente da Copasa.
Quem cuida dessa interlocução diretamente é a irmã do Aécio, Andréia Neves. É ela que manda na área de imprensa. O Aécio paira por cima. Andréia provocou a demissão de vários companheiros”.
O nome de Andréia Neves da Cunha, 48 anos, irmã mais velha de Aécio e chefe do serviço de assistência social do estado, causa calafrios nas redações mineiras, especialmente nas de Belo Horizonte.
Apesar de, formalmente, ocupar um cargo que tradicionalmente pertence a primeira dama, na prática é ela a comandante de fato da área de comunicação da administração. Em reportagem publicada em outubro no jornal Valor Econômico, os repórteres César Felício e Ivana Moreira revelaram ao Brasil o que todo jornalista mineiro já sabia.
Coube a Andréia o comando da operação colocada em curso para minimizar os danos do noticiário do mensalão mineiro sobre seu irmão. Foi ela que decidiu pela estratégia de aguardar uma semana para que Aécio se pronunciasse oficialmente.
Além do serviço social, a irmã de Aécio também comanda o “Grupo Técnico de Comunicação”, uma equipe de doze profissionais de mídia empregados na estrutura do Estado e que determina as ações de marketing. Não é exagero dizer que esse é o quartel general da inquisição.
Andréia mãos de tesoura

Era para ser apenas um trabalho de conclusão de curso, mas se tornou um dos vídeos mais assistidos do site You Tube. Em 2003, o estudante de comunicação da UFMG, Marcelo Baeta, recebeu anonimamente uma lista de jornalistas demitidos a pedido do governador. Ficou com a pulga atrás da orelha e passou a prestar mais atenção no noticiário.
Vídeo no Youtube - parte I - parte II
A decisão definitiva de fazer um documentário foi tomada em novembro de 2004, quando o governo lançou uma campanha maciça para anunciar o “Déficit Zero”. Baeta notou que a matéria do repórter Ismar Madeira, no “Jornal Nacional”, eram bem parecidas com os anúncios publicitários do governo do intervalo, onde um ator-repórter anunciava que “Minas Gerais superou uma década no vermelho”.
Um escândalo. No fim da noite, Aécio apareceu no programa Jô Soares, no qual foi fartamente elogiado pelo apresentador bonachão.
A apuração de Baeta revelou a faceta mais brutal do governo Aécio. Um dos entrevistados foi o jornalista Marco Nascimento, hoje diretor de jornalismo da TV Gazeta, em São Paulo. Ele conta, sem rodeios, que Andréia Neves pediu sua cabeça logo depois das eleições, quando Nascimento era diretor de jornalismo da Globo MG, em função de uma série de matérias “que estavam sendo ruins para o governo”.
“Eu imaginei que contaria com o apoio da Globo no Rio, mas estava enganado”, disse para Baeta. Procurado por Fórum, Nascimento disse que prefere não falar mais sobre esse assunto. Ele não imaginava que um trabalho de conclusão fosse ter tamanha repercussão, a ponto de ser citado em matérias publicadas na Europa.
Outro que denunciou os abusos de Aécio, mas acabou voltando atrás foi o jornalista esportivo Jorge Kajuru. Em maio de 2004, ele ficou furioso na véspera de um jogo da seleção brasileira no Mineirão. Com o microfone em punho, esbravejou: “Sobra ingresso para os convidados do governador de Minas, falta para o torcedor”.
Resultado: foi demitido no intervalo. Irado, Kajuru fez um desabafo no programa do apresentador Clodovil. “A irmãzinha dele (Aécio) pede a cabeça de jornalista. Tem jornalista em Belo Horizonte perdendo emprego por causa dela. A emissora sofreu uma pressão enorme. Aécio deve estar rindo agora”.
Não resta dúvida que o período mais agressivo das investidas de Andréia Neves contra os jornalistas foi entre 2003 e 2004. “Nos primeiros anos de governo, recebíamos muitas denúncias graves de jornalistas que reclamavam de cerceamento por parte dos editores.
Havia ingerência direta do governo e da assessoria na cobertura. Era escancarado. Os proprietários eram pressionados e pressionavam os editores para barrar a divulgação de matérias ruins para o governo. Os repórteres denunciavam mudanças e distorções nas matérias que escreviam.
Nos últimos dois anos, as denúncias diminuíram. Na minha opinião, a pressão, hoje, é mais financeira. A conjuntura profissional – leia-se falta de emprego – colabora para deixar os jornalistas com medo. A cobertura, por sua vez, continua chapa branca.
É difícil ver notícias de impacto contra o governo ou o governador. Denúncias só aparecem em veículos de outros estados”, revela Alexandre Campelo, diretor do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.

Até tu Lindemberg?
Não é de hoje que a imprensa mineira mantém relações promíscuas com o governo estadual. Há quem diga que a tradição nasceu com Assis Chateubriand e seu império, os “Diários Associados”, grupo que ainda hoje é forte no estado – é dono do jornal O Estado de Minas.
Especulações à parte, existe um episódio curioso que passou completamente batido pela grande imprensa nacional, mas que merece ser observado com lupa. No último dia 19 de setembro, a revista IstoÉ publicou uma reportagem explosiva: “Exclusivo: Os documentos do mensalão mineiro”.

A repercussão foi imediata em todo país, menos em Minas. Mas isso não vem ao caso. O que chama atenção é o fato de que o documento que deu origem à matéria – um relatório da Polícia Federal – está, hoje, disponível na Internet para quem quiser ler e repercutir. Mas, curiosamente, existe pouca gente interessada no assunto.
Fórum imprimiu e esmiuçou as 172 páginas do relatório. E descobriu que ainda existe muita pauta quase inédita para ser publicada. Em linhas gerais, o relatório – que se refere ao período em que o tucano Eduardo Azeredo foi governador e candidato a reeleição – mostra que toda a estrutura de caixa 2 criada por Marcos Valério passava pela comunicação, através da simulação de gastos com comunicação.
Mas isso também não é novidade. Na página 151, entretanto, um nome salta aos olhos: Carlos Lindemberg Spínola Castro. Para quem não sabe, ele era na época e ainda é editor do jornal Hoje em Dia, que pertence à Igreja Universal e é um dos maiores do Estado.
No período investigado, o ano de 1998, quando Azeredo tentou a reeleição, Lindemberg recebeu da SMP&B, portanto da campanha, R$ 130 mil para dar “opiniões políticas”. Em depoimento para PF, ele reconhece que recebeu R$ 50 mil.
Existe algum problema no fato de Lindemberg ser o responsável por um dos principais jornais do estado e receber dinheiro da campanha do governador que tenta a reeleição? A imprensa mineira acha que não.
Tanto é que apenas um site no estado, o “Novo Jornal”, tocou no assunto. Outros jornais e revistas do Brasil chegaram a ensaiar a publicação do caso, mas foram “convencidos” a deixar quieto. Fórum conversou com Lindemberg. É ele quem se defende. “Não existe relação entre uma coisa (ser diretor de um jornal) e outra (prestar serviço como consultor). Sempre prestei consultoria. Não trabalho para nenhum político ou agência, fui pago por uma agência de forma limpa. Tanto é que não há ilicitude em relação a mim”.
Além de dizer que toda unanimidade é burra, Nelson Rodrigues (sempre ele) também disse, certa vez, em sua “Flor de Obsessão”: “o mineiro só é solidário no câncer”. Dessa vez, contudo, parece que ele errou.
Jornal mineiro é o mais vendido do Brasil

Pela primeira vez na história da imprensa brasileira os mineiros tem um jornal que é líder de circulação no país. Informa o IVC de agosto que o Super Notícias, tablóide diário de 25 centavos, vem mantendo uma média diária de 300.322 exemplares vendidos.
Isso é mais que a Folha de S.Paulo (299.010), O Globo (276.733), Extra (238.937) e Estado de S.Paulo (238.752). Com 32 páginas de editorial e 13 de anúncio, o Super se transformou em um fenômeno abusando de sangue, mulher, futebol e reciclando material editorial dos jornais O Tempo e Pampulha, que pertencem ao mesmo grupo.
O pai da idéia e dono do jornal é o empresário e político Vittorio Medioli, ex deputado federal pelo PSDB e atualmente no PV.

Este artigo foi publicado originalmente na Revista Fórum

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